segunda-feira, 14 de novembro de 2011

É o Caio

“Sou o mais velho de cinco irmãos, três homens e duas mulheres.
Comecei a escrever aos seis anos. Antes eu já contava histórias. Minhas tias contam que, na horas de dormir, elas iam contar histórias e eu invertia o jogo. Eu é que contava. Aprendi a ler muito cedo, filho e neto de professora, e saí escrevendo. Com 13 ou 14 anos, escrevi um romance que se chamava A Maldição dos Sant-Marie, que incluí em Ovelhas Negras, essa espécie de livro póstumo que lancei.
Cresci muito rápido, com 12 anos tinha mais de 1,80 metro. Via com horror meu corpo crescendo. Eu não queria ser adulto, achava uma besteira, dava muito trabalho. Continuei crescendo e a voz era a de um menino de 12 anos. Eu falava e as pessoas riam. Era ridículo, feio. Quando fui trabalhar na Veja, em São Paulo, com quase 20 anos, minha voz ainda era assim.

Em 1964, vim para Porto Alegre fazer o curso colegial no Instituto Porto Alegre, em cima do morro de Petrópolis. Era um internato masculino. Eu sempre fui meio selvagem, solitário, não gostava de falar, não tinha uma identidade com os rapazes da minha idade. Eles gostavam de futebol, eu queria ficar lendo.

Fui morar com a escritora Hilda Hilst, em sua fazenda de Campinas. Eu fiquei de secretário, ela escrevia e eu datilografava.Tinha uma figueira enorme na fazenda. A Hilda dizia: “Cainho, essa figueira é mágica. Quando a gente tem um problema muito grave, fala com ela e ela resolve”. Meu maior problema era a voz de menino. Uma noite, abracei a figueira e pedi para a voz mudar. Voltei para o quarto, peguei um livro de Fernando Pessoa que estava lendo e no terceiro verso a voz ficou assim, grave. Pedi com tal concentração e fé que, acho, eu mesmo me curei. A partir da mudança da voz fiquei mais seguro. Aí me assumi como adulto.

Essa história é verdadeiríssima. A Hilda Hilst é testemunha."
[...]

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